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Efeitos (desconhecidos) da Mineração de Urânio

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Por Márcia Gomes de Oliveira Suchanek e Norbert Suchanek


Em outubro de 2008, aconteceu na Namíbia (África), a Conferência “Uranium: a blessing or a curse?” que tratou sobre a mineração de urânio, envolvendo a participação de especialistas da Namíbia, África do Sul, Tanzânia, Malawi, Austrália, Brasil, Alemanha e Holanda. Foram apresentados os resultados de pesquisas realizadas sobre minerações de urânio em vários países e todos foram unânimes em demonstrar o quanto nocivo é a mineração de urânio tanto para o meio ambiente quanto para a saúde, não apenas para os trabalhadores diretamente envolvidos, mas para a população que vive na região.
O Estudo de David Fig demonstrou a inviabilidade econômica desta mineração. Apresentando dados da cotação do urânio no mercado mundial, ficou claro de que a sua produção não pode ser sustentada por sua cotação no mercado, porque se trata de um produto associado à construção e funcionamento de usinas nucleares (além dos submarinos nucleares e bombas atômicas, em menor escala). Acontece que vários dos países mais ricos do mundo estão desativando suas usinas. Alemanha, Suécia e Itália já votaram pelo fim de seus programas nucleares. A Áustria cancelou o seu programa nuclear, em 1999, e a única usina nuclear nem chegou a ser finalizada, sendo convertida em unidade para produção de energia solar. E, atualmente, há uma nova onda para a construção de novas usinas nucleares, com o falso argumento de proteção do clima global. A verdade é que uma usina nuclear não produz diretamente dióxido de carbono. Mas, como Fig demonstrou, durante todo o processo da exploração do urânio até a construção da usina nuclear, a energia atômica contribui significativamente para o aumento do aquecimento global. China, Índia, Rússia, Coréia e África do Sul pretendem expandir sua indústria nuclear, mas apresentam problemas financeiros para isso.
O Governo brasileiro não apresenta publicamente problemas financeiros para a expansão da indústria nuclear, tendo iniciado, em 2008, a construção da Usina Angra 3 e anunciado a construção, no Rio de Janeiro, do primeiro submarino nuclear da América Latina.
No Brasil, a União tem o monopólio da mineração de elementos radioativos, da produção e do comércio de materiais nucleares, sendo este monopólio exercido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão criado em 1956 e vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Tem a função de planejar, estabelecer normas, fiscalizar, licenciar e controlar a atividade nuclear no Brasil.
As Indústrias Nucleares do Brasil (INB), vinculada à Comissão Nacional de Energia Nuclear – (CNEN), é a empresa responsável pela exploração do urânio, desde a mineração e o beneficiamento primário até a produção e montagem dos elementos combustíveis que acionam os reatores das usinas nucleares Angra 1 e 2.
Durante a ditadura militar, entre os anos 1960 e 1970, o território brasileiro foi inspecionado para se conhecer as áreas com maior concentração de urânio.
25% do território foram prospectados, colocando o Brasil na 6ª posição mundial em jazidas deste minério. Foram identificadas 8 reservas de urânio, a maioria fora da Amazônia. O Programa Nuclear Brasileiro recebeu grande apoio do governo alemão, interessado em vender sua tecnologia nuclear para em um futuro próximo receber combustível nuclear a baixo custo.
A primeira mineração e produção de concentrado de urânio no Brasil foi o Complexo Mínero-Industrial de Poços de Caldas (CIPC), no Estado de Minas Gerais. No período de 1982 a 1995 operou as atividades de lavra, beneficiamento e tratamento químico do minério de urânio, suprindo as necessidades de combustível nuclear para as usinas brasileiras em operação (Angra 1 e 2). O Complexo Mínero-Industrial, então pertencente às Empresas Nucleares Brasileiras S/A (NUCLEBRÁS), hoje Indústrias Nucleares do Brasil (INB), encontra-se atualmente em fase de decommissioning (descomissionamento), terminologia utilizada para fechamento de instalações nucleares. Somente em dezembro de 2004, a INB assinou um termo de referência para elaboração e apresentação do plano de fechamento da mina, solicitado conjuntamente pelo IBAMA e pela CNEN (1). Atualmente está em funcionamento o Laboratório de Poços de Caldas (LAPOC), uma unidade da CNEN, responsável pela pesquisa e desenvolvimento de tecnologias referentes a processos metalúrgicos extrativos, aplicados a minérios de urânio e de tório em particular, ou a minérios contendo minerais radioativos associados em geral.
A segunda mina, Lagoa Real e Caetité, está situada na Bahia e produz desde o ano 2000 cerca de 400 toneladas de yellow cake (concentrado de urânio) por ano (2). O Governo quer dobrar a sua produção até 2011. Entretanto, esta mineração já produz contaminação na água, no solo e nos corpos dos moradores da região, conforme já foi demonstrado no estudo de Prado, na investigação de Zoraide Vilasboas da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania e no relatório do Greenpeace (3).
A terceira mina será aberta em 2009, no Ceará. Será a primeira mina de urânio no Brasil com participação da iniciativa privada em parceria com a INB. Ela irá produzir 1.500 toneladas por ano. A partir daí o Brasil pretende dar início à exportação do concentrado de urânio (4). Vale ressaltar que pela legislação brasileira a exportação de urânio só é permitida quando há excedente do produto no Brasil. Deste modo, o incentivo à mineração é estimulado não pela necessidade do mercado interno, mas para gerar excedente, já que esta é a única maneira legal para a exportação do produto.
Mas isso é só o começo. O Governo Lula da Silva quer reiniciar o processo de prospecção para detectar mais depósitos de urânio, especialmente na região amazônica. O poderoso lobby nuclear brasileiro pretende não apenas construir mais 60 usinas nucleares, mas transformar o Brasil em um grande exportador de yellow cake, como a Austrália, o Canadá e a Namíbia. Também pretende exportar urânio enriquecido. Mas antes que o novo processo de prospecção se inicie, deverá ser regulamentada, ou melhor, “liberada” (5) a mineração em terras indígenas, porque a maioria dos novos depósitos minerais está supostamente nestas áreas.
A Constituição Federal prevê o aproveitamento dos recursos hídricos das terras indígenas, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, bastando para isso autorização do Congresso Nacional.
Deputados, organizados na Comissão Parlamentar para Mineração em Terras Indígenas, elaboraram o Projeto de Lei (nº. 1.610/1996) a fim de regulamentar a exploração mineral em faixa de fronteira e em terras indígenas. E em 29 de agosto de 2007, foi aprovado, pela Comissão de Minas e Energia do Congresso Nacional, o Projeto de Lei (nº. 3519/2004) que obriga a elaboração de estudo do potencial mineral em todas as terras indígenas que tenham pedido de demarcação. Caso transformado em Lei, a terra que tenha potencial de exploração mineral não será mais demarcada.
De acordo com as Indústrias Nucleares do Brasil (INB), os maiores depósitos de urânio estão na região amazônica. A INB estima 150.000 toneladas de urânio no Complexo do Pitinga, no Município de Presidente Figueiredo (Amazonas), 150.000 toneladas no Rio Cristalino, no Sul do Pará, e mais 500.000 toneladas em áreas ainda não divulgadas.
Em 2004, o chefe do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Gert Rodolfo Woeltje, disse que o urânio de Pitinga pode ser exportado para a China (6). Por anos, a Mineração Taboca S.A, empresa do Grupo Paranapanema, explora a mineração de nióbio e outros minerais associados ao urânio, em Pitinga. A jazida é a maior polimetálica do mundo, detendo uma reserva total de 1,1 bilhão de toneladas contendo, além do nióbio (columbita/tantalita), estanho, tântalo, urânio, ítrio, zircônio, criolita e outras minerais de terras raras (7).
A Mineração Taboca – Mina de Pitinga está localizada na reserva indígena Waimiri- Atroari. Por causa deste complexo mineralógico e da construção da Hidrelétrica de Balbina para fornecer energia ao Complexo, os Waimiri-Atroari chegaram quase ao extermínio (8). A região do Complexo de Pitinga também possui os maiores índices de leishmaniose, devido à atividade de extração mineral e florestal (9).
A mineração de ouro, e outros minérios que se encontram na natureza associados ao urânio, pode resultar em graves problemas ambientais e de saúde às comunidades locais, por causa do rejeito radioativo e tóxico gerado pela mineração. É ainda desconhecido (ou ao menos não divulgado) o nível de urânio dos rejeitos das minerações e, portanto, do solo e da água da região. Já podendo haver uma contaminação radioativa nos rios e na área indígena Waimiri-Atroari.
A meta nuclear brasileira não se limita à mineração do urânio e à construção de usinas nucleares. O Brasil pretende exportar concentrado de urânio e combustível nuclear, além de ter iniciado em 2008, no Rio de Janeiro, o primeiro programa de construção de submarino nuclear da América Latina. Os reatores do submarino precisam de alto concentrado do combustível de urânio, o mesmo concentrado que é necessário para construir a bomba atômica.
No momento, os meios de comunicação começam a produzir campanhas com a falsa idéia de que a energia nuclear é limpa e segura. Acidentes em usinas nucleares, em complexos de mineração e com lixo radioativo são tratados como episódios isolados, devido à falha humana e à tecnologia obsoleta. A medicina nuclear surge como fada madrinha, salvando vidas.
Mas, estas campanhas falam da energia nuclear sem mostrar o custo ambiental e humano da mineração do urânio. Também ignoram os resultados de pesquisas médicas mundiais que comprovam a baixa eficácia da medicina nuclear, além dos malefícios do uso do Raio-X, conforme ainda é utilizado no Brasil (10).
É necessária uma Campanha Nacional que envolva o esclarecimento de todas as etapas do ciclo do combustível nuclear, porque não basta ser contra a construção da terceira usina nuclear em Angra e ignorar a destruição que está ocorrendo nas áreas de mineração do urânio. Também não basta ser contra a mineração na Bahia sem conhecer como está a situação do descomissionamento da primeira mineração em Minas Gerais.
O Brasil em sua totalidade está coberto pelo ciclo do combustível nuclear. Em Caetité (BA), ocorre a extração do elemento químico urânio das rochas da crosta terrestre (mineração) e, no mesmo local, ocorre a concentração deste urânio sob a forma de um sal de cor amarela, o yellow cake. Em seguida, o yellow cake vai para o Canadá, e também agora para Resende (RJ), onde é dissolvido, convertido em gás e reconvertido novamente em pó, em um processo que consome água pura, além de muito dinheiro público. Por fim, o urânio vira pastilha com uma circunferência exata para ser utilizada como combustível nas usinas de Angra. A INB informa (11) que realiza uma formatação rigorosa destas pastilhas. As aprovadas são acondicionadas em caixas e transportadas para as usinas de Angra. Porém, a INB esqueceu de informar, ao cidadão que acessa o seu site, sobre o que é feito com as pastilhas rejeitadas.
Portanto, este material altamente radioativo sai de Caetité (BA), vai para Resende (RJ) e depois para Angra dos Reis (RJ), passando por várias áreas residenciais, de produção alimentar e de preservação ambiental. O desfecho desta viagem se dá em Angra dos Reis, com o depósito do lixo radioativo gerado no funcionamento das duas usinas. Ainda se estuda o local ideal para a construção do depósito definitivo para os rejeitos das usinas de Angra I e II que começaram a operar, respectivamente, em 1982 e 2000 (12).
As conseqüências de um acidente com transporte radioativo precisam ser conhecidas pela população, independente de sua ocorrência. Isto se chama respeito ao povo brasileiro.
Não queremos conhecer os malefícios da mineração somente depois que ficamos sabendo da contaminação radioativa da água, da terra, do ar e das pessoas. Assim como, conhecer os malefícios das usinas nucleares depois de saber que Angra dos Reis tem o maior índice de óbitos por defeitos congênitos em relação a todos os outros municípios do Estado do Rio de Janeiro (13). O povo brasileiro tem o direito de conhecer o mal que cai sobre suas próprias cabeças e decidir se quer ou não este ônus para as suas vidas e de seus descendentes. O povo brasileiro tem o direito de dizer não à energia nuclear.
Nota
(1) REM: Rev. Esc. Minas, Ouro Preto, 61(2): 197-202, abr. jun. 2008




www.scielo.br/pdf/rem/v61n2/a14v61n2.pdf.

(2) INB – Indústrias Nucleares do Brasil, Atual Estágio de Desenvolvimento Tecnológico da Produção de Energia Nuclear no Brasil, Alfredo Tranjan Filho Presidente, Julho, 2008.
(3) GEÓRGIA REIS PRADO. Estudo de contaminação ambiental por urânio no município de Caetité-BA, utilizando dentes humanos como bioindicadores. 182 fls. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus, 2007.
Zoraide Vilasboas integra a Coordenação de Comunicação da Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, – membro da RBJA. Contato para informações: assmpj@gmail.com
Ciclo do Perigo – Impactos da Produção de Combustível Nuclear no Brasil. 15 de Outubro de 2008. Relatório com denúncia de contaminação da água de Caetité (Bahia) por urânio. http://www.greenpeace.org/brasil/documentos/nuclear/ciclo-do-perigo.
(4) “É a auto-suficiência total, qualquer que seja o horizonte de nucleares, quatro, oito, as unidades de Angra. O país está trabalhando para chegar a 2014 dominando todo o ciclo de enriquecimento de urânio”, garantiu o superintendente de Produção Mineral das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Adriano Maciel Tavares. E acrescentou: “Nossa projeção, e estamos trabalhando para isto, é de que Caitité (BA) – mina de urânio explorada em parceria com a Galvani fertilizantes – possa também estar produzindo, em 2011, outras 800 toneladas. Então, ou teremos uma grande quantidade de urânio estocada, ou vamos ter que exportar”.
Fonte: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/11/19/materia.2008-11-19.5404367645/view.
(5)”Em Roraima não se deve bater de frente com o Planalto. Representa esse Estado o senador Romero Jucá, que é pernambucano e hoje atua como líder do governo. Jucá tem interesses claros e bem definidos. É dele o projeto que regulamenta a mineração em terras indígenas. Regulamenta, não. Libera”. Entrevista do Antropólogo Eduardo Viveiro de Castro (Museu Nacional/UFRJ) sobre Raposa Serra do Sol. Estado de São Paulo, 20/04/2008.
(6) Acordo nuclear com a China pode beneficiar o Amazonas, 28/05/2004, A Crítica, Tema do Dia, p. A3.
(7) Cristina S. da Silva – DNPM/GO – E-mail: cris.silva@dnpm.gov.br, http://www.dnpm.gov.br/assets/galeriadocumento/sumariomineral2005/Ni%C3%B3bio%202005rev.doc
(8) BAINES, Stephen G. Imagens de liderança indígena e o Programa Waimiri-Atroari: índios e usinas hidrelétricas na Amazônia. Rev. Antropol. [online]. 2000, v. 43, n. 2, pp. 141-163. ISSN 0034-7701.
(9) CHAGAS, Andrezza Campos et al. Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) em uma vila de exploração de minérios – Pitinga, município de Presidente Figueiredo, Amazonas, Brasil. Rev. bras. epidemiol. 2006, v. 9, n. 2, pp. 186-192.
(10) Inge Lindemann
(11) www.inb.gov.br/
(12) O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou o livro “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável 2008 (IDS 2008)”. Nele, os pesquisadores constataram que apesar de produzir 13.775 metros cúbicos de resíduos radioativos, o Brasil ainda não tem depósitos finais para onde encaminhar esse material perigoso com segurança – com exceção do depósito de Goiás, com os rejeitos do acidente com o césio-137, ocorrido em Goiânia, em 1987.
Os rejeitos radioativos brasileiros são depositados, temporariamente, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), em São Paulo, no Instituto de Energia Nuclear (IEN), no Rio de Janeiro, e no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Minas Gerais, todos ligados à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear). O Estado campeão na produção destes rejeitos é São Paulo, responsável por 36% do material que vai para os depósitos da CNEN, seguido por Rio de Janeiro (19%) e Bahia (18%), de acordo com dados do IBGE.
Fonte: Cassiano Sampaio com informações do IBGE www.conter.gov.br/portal//aplicacao/index.cfm?fuseaction=apl.MostrarDetalheNoticia&IdeNot=19
(13) Mistério em Angra. 26/12/2006. Governo vai analisar dados sobre óbitos por defeitos congênitos e Câmara pedirá estudo para verificar ligação com excesso de radiação.




www.conter.gov.br/portal//aplicacao/index.cfm?fuseaction=apl.MostrarDetalheNoticia&IdeNot=19. Acesso em 29.11.08

Márcia é Socióloga e Professora da FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica) no Rio de Janeiro. Durante a UNCED (Rio 92) organizou o Seminário “Amazônia 500 anos de Resistência Indígena e Popular”. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.
Norbert é Jornalista Ambiental e colaborador do Ecodebate. Participou do Workshop “Uranium – A Blessing or a Curse?”, em outubro de 2008, na Namíbia.
Fonte: EcoDebate

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