Related Posts with Thumbnails

ABADIA DE GOIÁS II - A HISTORIA DO DEPÓSITO DE REJEITOS

0

Posted in , ,

O DEPÓSITO DEFINITIVO


As diretrizes políticas para definir sobre o destino final dos rejeitos radioativos iniciaram-se um ano depois do acidente em Goiânia. O presidente José Sarney instalou um Conselho Superior de Política Nuclear (CSPN), em 22 de setembro de 1988, integrado por 28 cientistas. Dentre as cinco comissões consultivas havia uma especialmente criada para estudar uma solução para a questão do lixo radioativo no país. Denominada como Comissão Consultiva de Rejeitos Radioativos, reunia técnicos, pesquisadores, cientistas e profissionais vinculados à área nuclear.


O Conselho Superior de Política Nuclear, que assessorava o presidente da República em questões de energia nuclear, havia preparado um substitutivo que ainda não havia sido enviado ao Congresso, mas basicamente o que o Conselho propunha era que cada Estado tivesse seu depósito de caráter intermediário e a União teria um ou mais depósitos definitivos. Seguindo a legislação vigente na época de 1989, mesmo ainda em situação de projeto de lei, havia também a definição de que resíduos nucleares advindos de acidentes deveriam ser depositados no Estado onde o mesmo acontecesse. Desta forma, tudo indicava a definição da região aonde iriam ser depositados os rejeitos do acidente de Goiânia, isto é, em seu próprio Estado.


Algumas características são avaliadas quando é feita a identificação de um local para a adequação de rejeitos radioativos. A ‘escolha de local’ estuda a região e área progressivamente mais específicas para este tipo de procedimento.

  • Inicialmente há uma análise preliminar em que se faz a identificação regional de fatores de caráter excludente, como atividade sísmica e precipitação pluviométrica;
  • estudos gerais em que compreende os estudos geológicos e hidrológicos de área em regiões não excluídas na fase anterior;
  • seleção de área favoráveis onde há a identificação de área que reúnam maior número de características favoráveis e a caracterização do local com a descrição das características dos locais selecionados na fase anterior.

Baseados neste estudo, a escolha da localização do depósito é feita pelas autoridades competentes. Além dos aspectos técnicos, estão envolvidos ainda os aspectos econômicos, políticos e sociais (DELLAMANO, 1999).


Quanto aos aspectos técnicos, após a decisão oficial da construção de um depósito na região do Estado de Goiás, alguns órgãos firmaram parcerias para o desenvolvimento de um projeto, assim denominado de ‘Projeto Goiânia’. Para isso, compreendeu-se a realização de 8 etapas, discriminadas a seguir:

  1. Seleção do Local;
  2. Caracterização de Local;
  3. Caracterização dos Rejeitos, Técnicas de Tratamento e Projeto Conceitual;
  4. Adequação dos Rejeitos (construção do Depósito Definitivo I);
  5. Relatório Final de Análise de Segurança;
  6. Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA);
  7. Licenciamento;
  8. Construção do Depósito Definitivo II.


Os critérios de seleção de local seguem normas específicas para este propósito. De acordo com a norma CNEN-NE-6.06 (1985): “a adequação de uma local para depósito deve satisfazer requisitos que garantam o confinamento dos rejeitos, visando a proteção dos seres vivos, seus bens e do meio ambiente, em longo prazo”. Para se atingir este objetivo, outros diversos fatores devem ser considerados nos trabalhos de Seleção de Local, tais como: “o local selecionado deve ser bem drenado e não estar sujeito a inundações e erosões, estar situado em áreas de baixa sismicidade e de baixa densidade populacional, possuir um solo de baixa permeabilidade e alta capacidade de retenção de radionuclídeos. O nível da água subterrânea deve ser bem abaixo da parte inferior do depósito para não haver escape de material radioativo para o meio ambiente” (CDTN, 1991, p.25).


Estas recomendações normativas devem ser levadas em consideração nas etapas de investigações realizadas no processo de ‘Seleção de Local’ quanto aos critérios da situação geológica, sócio-econômica, ecológica e fisiográfica. A condução destas análises seletiva identifica fatores de restrição de uso de determinada área ou possibilita identificar alguma outra área que tenha a necessidade de construção de barreiras adicionais de engenharia.


O quadro apresentado a seguir compreende a ordem seqüencial de um processo de Seleção de Local:

  1. O primeiro passo no processo de Seleção de Local é a definição de uma ‘Região de Interesse’, a qual é definido em função de aspectos técnicos, políticos e econômico;
  2. No segundo passo são feitos estudos em escala regional, visando eliminar áreas desfavoráveis e identificar ‘Áreas preliminares’, dentro da ‘Região de Interesse’;
  3. O propósito do terceiro passo é avaliar as Áreas Preliminares para identificar as ‘Áreas Potenciais’. Os trabalhos são realizados tendo como base fotografias aéreas, relatórios de instituições oficiais e eventuais reconhecimentos de campo. São analisados aspectos de uso do solo, geológicos, hidrológicos e fisiográficos;
  4. O quarto passo de Seleção de Local contempla o reexame de trabalhos realizados em passos anteriores, e inclui visita de reconhecimento às ‘Áreas Potenciais’. Nesta etapa podem ser feitas amostras de solo e de água de superfície. A análise de fotografias aéreas recentes é também útil nesta fase dos trabalhos, permitindo a identificação de alterações no uso do solo, rotas de transporte e características geofísicas que podem não estar identificadas nos mapas utilizados. Neste estágio dos trabalhos de seleção, deve-se identificar os proprietários dos locais estudados, uma vez que o repositório deve estar situado preferencialmente em terras públicas. O resultados destes trabalhos irá indicar os ‘Locais Candidatos’, que serão analisados em maior detalhe para a escolha do local do depósito definitivo.


Os estudos que anteciparam a decisão da escolha final de um espaço para a construção do depósito para os rejeitos do acidente de Goiânia contêm a identificação dos locais que reuniam características favoráveis à implantação do mesmo culminando com a indicação de três ‘Locais Candidatos’ conforme o ‘Relatório sobre a escolha do local do Depósito Definitivo dos Rejeitos gerados no acidente de Goiânia’ (CDTN, 1991).


Do ponto de vista regional, os Locais Candidatos apresentavam uma característica comum que é a intensa polarização pela cidade de Goiânia. A facilidade de acesso pelas rodovias e pelo transporte, além da proximidade, proporcionava a dinamização das relações político-administrativas, econômicas, sociais e culturais.


O primeiro Local Candidato distava cerca de 130 km a sudoeste da cidade de Goiânia, e estava situado a cerca de 110 km do local do depósito provisório. O local abrangia uma faixa de terra situada próximo da BR-060 e era pertencente ao município de Jandaia.


O segundo Local Candidato se situava em uma faixa de terra da porção nordeste do município de Indiara. Distante 94 km da cidade de Goiânia e cerca de 74 km do local do depósito provisório em Abadia.


O Local Candidato que recebeu o maior número de pontos, compreendia uma faixa de terra vizinha ao local do depósito provisório de Abadia. O local abrangia uma porção de terra situado próxima ao entroncamento da rodovia Federal BR-060 com a via municipal que liga a cidade de Aragoiânia à Trindade, sendo vizinho à localidade de Abadia de Goiás.


Em trabalho de campo realizado em etapa anterior, verificou-se que possuía uma altitude de cerca de 900 metros enquanto na área dos Locais Candidatos descritos anteriormente, verificou-se uma altitude em torno de 600 metros. Uma extremidade do terreno se encontrava drenado por um pequeno curso d’água, o Córrego Quati, o qual deságua no Rio Dourado situado já fora da área, não ocorrendo áreas inundáveis. A densidade demográfica nas circunvizinhanças era baixa (seis hab/km2), não havendo praticamente atividade de uso do solo para fins agrários, nem áreas de extrativismo mineral. A área era de propriedade pública pertencente ao Estado de Goiás.


Dentre os vários locais apresentados, o que melhor se destacou por apresentar as características mais apropriadas, era aquela junto à área do depósito provisório. Estava situada a apenas 400 metros a oeste deste, e, a cerca de 2,5 km da então localidade de Abadia de Goiás.


A conclusão apresentada no ‘Relatório sobre a escolha do local do Depósito Definitivo dos Rejeitos gerados no acidente de Goiânia’ faz uma ressalva quanto àquela escolha e esclarece que “qualquer um dos três locais poderia ser escolhido para a construção do Depósito Definitivo, e embora, cada um representasse riscos e custos diferentes, cabe ao Governo do Estado de Goiás a escolha daquele que melhor atendesse aos interesses e conveniências do desenvolvimento do Estado e da população de um modo geral” (CDTN, 1991, p.134).


Enfim, define-se neste relatório que dentre as diversas vantagens e desvantagens apresentadas, outras hipóteses baseadas em outras metodologias poderiam ser levantadas quanto ao aspecto físico-geológico, mas em nenhuma delas seria absoluta, devendo o projeto de engenharia superar todas as outras dificuldades existentes.


Neste período, em 1991, com a decisão da área já definida pelos governantes do país, os estudos se voltaram para o desenvolvimento de um projeto de engenharia do tipo de depósito mais adequado para a blindagem do Césio-137. As normas referentes a este tipo de aspecto foram consultadas pelos peritos da área nuclear. Os rejeitos oriundos do acidente com Césio-137 enquadram-se nas categorias de ‘baixo’ e ‘médio’ níveis de radiação, de acordo com a norma CNEN-NE-6.05 - Gerência de rejeitos radioativos em instalações radiativas. De acordo com essas características, pôde-se realizar o projeto de um depósito de superfície de acordo com a prática internacional e com as recomendações da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) atendendo de maneira conservadora aos critérios nacionais e internacionais estabelecidos para a deposição final de rejeitos radioativos com níveis baixo e médio de radiação.


Os depósitos de superfície com barreiras de engenharia, similares ao de Abadia de Goiás, já são utilizados com sucesso em outros países. Alguns deles como o de El Cabril (Espanha), L’Aube (França) e Hakkashomura (Japão) estão em fase operacional. O depósito de La Manche (França), que entrou em operação em 1962, terminou em 1995 sua etapa de fechamento e é o primeiro depósito a entrar na fase de controle institucional na Europa (DELLAMANO, 1999).


Em 1994, haviam sido concluídas as três etapas iniciais, assim como já havia definido como realizar a deposição. Dois depósitos foram projetados e construídos. Um deles, o Container de Grande Porte (CGP), abriga de forma definitiva 40% de todo o rejeito que foi preparado para a deposição, cuja concentração radioativa é tão baixa que poderiam ser definidos como lixo comum. Ficaram no mesmo local onde ficava o depósito provisório evitando assim o impacto social negativo sobre a comunidade goiana. O outro depósito construído, denominou-se Depósito Definitivo I, onde tem 60% do restante dos rejeitos, aqueles efetivamente radioativos, que comporta os restos da fonte principal que originou o acidente de Goiânia (A fonte principal era a peça que continha o maior índice de radioatividade dos rejeitos. Ela era tida como a causadora de todos os outros problemas de contaminação, por conter o material radioativo dentro de um recipiente chamado de marmita, que se espalhou pelos locais e pessoas, por estar em composição de cloreto de césio.).


A repartição dos rejeitos radioativos em dois depósitos deve-se principalmente a critérios estritamente técnicos. As soluções possíveis para cada tipo de grupo de material foram estudadas seguindo o modelo adotado em outros países. Foram divididos em grupos considerando o tempo que levariam para serem considerados inócuos (CDTN, 1991) (Para efeito de texto, no decorrer do trabalho, o termo ‘depósito’ será mencionado no singular quando se referir ao Depósito Definitivo de Rejeitos Radioativos de Abadia de Goiás, mesmo tendo sido construídos dois depósitos.).


Em setembro de 1996 deu-se início às obras do Depósito Definitivo II, e em 5 de junho de 1997 foi inaugurado o DRR_Abadia. Semelhante a um grande monolito de concreto, o depósito tem aproximadamente 3 mil m2, com o pé-direito em torno de 8 m a 9 m e a aparência de uma pequena elevação do terreno, pois o monolito de concreto foi coberto por camadas sucessivas de matérias próprias para drenagem dirigida, com a função de evitar o contato das águas da chuva com o repositório. Externamente, foi revestido por isolantes com base em resina e betume.


Esta grande caixa de concreto está dividida internamente por paredes, não só por questão de ordem estrutural, mas também devido à necessidade de barreiras de radioproteção. Dessa forma, os rejeitos mais ativos ficarão nas regiões centrais, contornados pelos menos ativos e assim por diante. Os espaços vazios entre os recipientes serão preenchidos por argamassa própria, rica em bentonita, cuja função principal é capturar e reter o césio, no caso de qualquer ruptura ou perda de contenção dos recipientes.


Nota-se que até aqui todos os requisitos foram cumpridos em se tratando ao aspecto condizente com as regras e normas técnicas impostas para um empreendimento deste tipo, como também todas as normas que regulamentaram todo o processo de implantação de um Depósito. Essas informações estão documentadas e acessíveis ao público nas instituições ambientais que participaram do processo para a conclusão do ‘Projeto Goiânia’, como uma das condições impostas pelo Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA/RIMA).



FONTE: http://www.ipen.br/biblioteca/teses/M23192.pdf


Comments (0)

Postar um comentário

Seja Bem vindo!

Este espaço foi criado para você fazer perguntas, propor temas ou contribuir com sua opinião!